quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Corrupção e má gestão empurram Timor-Leste para uma crise profunda em todos os setores

Foto, Zizi Linda

Malae Mutin

Com Timor-Leste no 44.º lugar no Índice de Perceção de Corrupção de 2024 e a fragilidade nos setores chave do país a colapsarem, aumenta a preocupação para este jovem Estado. Timor-Leste enfrenta um cenário sombrio. 

Os sinais de colapso são claros e inevitáveis, apontando para um destino inquietante, onde setores fundamentais como a saúde e a educação já deram o primeiro passo rumo à ruína. Enquanto isso, o Fundo Petrolífero, outrora a esperança de estabilidade e desenvolvimento, está a ser devorado pela má gestão e por práticas de corrupção institucionalizadas, transformando-se numa bomba-relógio prestes a rebentar.

O setor da saúde é hoje uma sombra do que deveria ser. Hospitais sem medicamentos, equipamentos obsoletos e profissionais de saúde exaustos são apenas a ponta do icebergue. Como sublinha o relatório States of Fragility, da OCDE, quando o sistema de saúde colapsa, a degradação social acelera, empurrando um país para uma espiral descendente de crise e sofrimento humano. Em Timor-Leste, esta espiral já começou. Os mais vulneráveis são os primeiros a cair, muitas crianças com raquitismo, grávidas sem acompanhamento médico e doentes crónicos abandonados à própria sorte.

Na educação, a situação é igualmente desoladora. Salas de aula em ruínas, sem carteiras nem materiais, professores desmotivados e uma geração inteira a ser perdida num vazio educacional. A UNESCO, no relatório Education Under Attack, alerta que a educação não é apenas uma vítima da crise, mas também a sua maior oportunidade de salvação – uma oportunidade que Timor-Leste parece estar a desperdiçar sem hesitação. Cada criança que abandona a escola é um futuro que se apaga, um talento perdido para sempre.

Entretanto, o Fundo Petrolífero, a última grande reserva de esperança do país, está a ser desmantelado numa corrida frenética por recursos. O livro The Changing Face of Corruption in the Asia Pacific revela como, em muitos países da região, a corrupção não se limita mais a subornos isolados, mas evoluiu para práticas estruturais que capturam recursos públicos em benefício de uma elite política. Em Timor-Leste, essa nova face da corrupção está a infiltrar-se nas instituições, onde contratos públicos milionários são frequentemente atribuídos sem transparência, e empresas ligadas a figuras políticas beneficiam de financiamentos públicos sem a devida prestação de contas. As retiradas excessivas do Fundo Petrolífero, justificadas como “investimentos estratégicos”, muitas vezes mascaram o desvio de recursos para projetos de retorno questionável ou infraestruturas inacabadas. O livro destaca que a corrupção moderna se adapta às novas oportunidades económicas, usando estruturas legais e financeiras para legitimar práticas corruptas, um fenómeno visível na gestão de projetos de desenvolvimento em Timor-Leste.

Outro ponto crucial do livro é a análise do paradoxo das reformas, a ideia de que, em países com instituições fracas, as reformas frequentemente falham porque são capturadas por redes corruptas, tornando-se ineficazes ou até contraproducentes. Em Timor-Leste, muitas das iniciativas destinadas a reforçar a transparência e a governação acabaram por ser esvaziadas pelo próprio sistema que deveriam corrigir, deixando os cidadãos ainda mais desiludidos com as instituições públicas. 

Enquanto isso, uma visão otimista e quase utópica surge no livro mais recente de Xanana Gusmão, The Sky is Ours. O título promete uma perspetiva de esperança e progresso, mas a realidade descrita parece estar reservada a uma minoria privilegiada, uma elite política e económica que vive numa bolha de prosperidade artificial. Para a grande maioria dos timorenses, o céu continua distante e fora de alcance, marcado pelas dificuldades diárias e pela luta constante por serviços básicos.

The Sky is Ours parece ignorar os sinais claros de crise estrutural que assombram o país. Tal como alertam Acemoglu e Robinson em Why Nations Fail, quando as lideranças perdem o contacto com a realidade das massas e promovem visões que só beneficiam uma elite, a queda torna-se inevitável. Timor-Leste corre o risco de transformar essa visão de um céu promissor num pesadelo coletivo, onde o céu é, de facto, apenas para alguns.

O Banco Mundial e o FMI já emitiram avisos severos: sem uma mudança radical, o fundo extinguir-se-á, e quando isso acontecer, não haverá qualquer rede de segurança. Why Nations Fail (Acemoglu & Robinson) refere que, quando instituições fracas se combinam com a má gestão dos recursos, o resultado é uma crise total, onde os pilares da sociedade ruem como castelos de areia. The Changing Face of Corruption in the Asia Pacific salienta ainda que a inação prolongada diante da corrupção institucionalizada torna as reformas futuras quase impossíveis, pois os próprios mecanismos de governação passam a servir os interesses da elite dominante.

Timor-Leste está perigosamente próximo desse ponto de rutura. A ausência de políticas estratégicas, a instabilidade política constante e o oportunismo a curto prazo estão a acelerar o colapso. Relatórios recentes sugerem que a dependência do petróleo está a sufocar a economia, impedindo qualquer diversificação real. O país está a caminhar, lenta, mas inexoravelmente, para uma situação de crise total, onde o colapso económico será apenas o prelúdio de uma tragédia humanitária de larga escala.

Este momento é decisivo. Como descreve Noam Chomsky em Failed States, os países não colapsam de um dia para o outro; o seu declínio é gradual, com sinais claros ignorados repetidamente até que seja tarde demais. 

Timor-Leste ainda tem uma oportunidade de inverter este caminho, mas essa janela está a fechar-se rapidamente. Sem uma viragem imediata e corajosa, o futuro será sombrio. E quando o fundo secar, quando as escolas forem apenas ruínas silenciosas e os hospitais se tornarem túmulos de esperança, a história não perdoará aqueles que tiveram a oportunidade de agir e escolheram não o fazer.

Nota blogue: Andamos a ler os mesmos livros. :) 

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