Na sua intervenção [nas Conferências do Estoril] disse que a China não é inimigo de ninguém, e comparou a questão da ameaça económica aos Estados Unidos com o Japão nos anos 80.
Sobre a questão da adesão de Timor-Leste à associação de países do sudeste asiático (ASEAN) há quem refira que a proximidade de Díli a Pequim poderá ser um entrave. Isto tem algum fundamento?
Não, não tem o mais pequeno fundamento, porque todos os países da ASEAN têm estreitas relações com a China. A Indonésia, por exemplo, tem uma parceria estratégica. O Camboja, aliás, tem uma posição diferente dos seus parceiros da ASEAN em relação à China. Por exemplo, na questão do Mar do Sul da China, tem a posição que é a chinesa. Não afeta, não afeta. Aliás, a nossa relação com a China não é menor, não é maior que a relação Austrália-China.
Qual é que tem sido o entrave?
Nós já somos membros observadores. Participamos em todas as reuniões, desde o nível mais baixo ao nível das cimeiras de chefes de Estado. Para o ano é mais a formalização. Entraves, se assim se pode dizer, no passado, é a reserva de alguns sobre a capacidade dos timorenses de absorver o volume de reuniões. Sabe quantas reuniões anuais há? 1300. Não sei se é mais do que a União Europeia. E pergunta, vocês têm gente? Isso é realmente um problema, é cansativo, dispendioso. Mas até agora, em que nós participamos já como observadores, os ASEAN ficaram surpreendidos. Nunca faltámos a reuniões, contribuímos financeiramente para muitas atividades. Portanto, a nossa adesão plena já está adquirida, vai ser na última metade de 2025.
E que impacto é que isso terá?
Impacto positivo na parte económica e comercial. Quando um país como o nosso integrar uma grande economia regional, que é a ASEAN, de 700 milhões de habitantes ou 4 biliões [de dólares no conjunto dos produtos internos brutos], nós só seríamos muito, como se diz, mentecaptos se nós não soubermos aproveitar. Veja o México, vizinho dos Estados Unidos. Quando o México aderiu ao Tratado da NAFTA beneficiou enormemente o seu desenvolvimento.
Foi notícia há dias que as relações económicas de Portugal com os PALOP e com Timor-Leste decresceram. Nota isso?
Eu creio que, se decresceu, tem a ver com o Covid-19, a crise da Ucrânia, em que o volume de comércio internacional baixou em todo o mundo.
Portugal e Timor-Leste assinaram há pouco tempo um acordo de cooperação de 75 milhões de euros em quatro anos. Que impacto poderá trazer?
O primeiro-ministro Xanana [Gusmão] esteve aqui, portanto, esta matéria está nas mãos do primeiro-ministro e é positivo que tenha sido ele a vir assinar o acordo. O primeiro-ministro Xanana e o primeiro-ministro português vão desencadear todos os mecanismos financeiros e económicos nacionais para concretizar esses acordos. Porque muitas vezes os acordos ficam em acordos e depois não são executados. É muito típico da cultura latina. Nós gostamos de declarações de amor recíproco e depois não passa daí. E eu espero que uma coisa assinada entre os dois governos, sobretudo o de Xanana, que é uma pessoa de ação, acione os mecanismos timorenses para que finalmente haja um aumento das relações comerciais e económicas. E que favoreçamos companhias portuguesas, incluindo na área de construção.
Outro pilar desse acordo tem a ver com a educação.
Também, sim. A educação tem sido uma prioridade portuguesa. Portugal tem apoiado imenso com a escola pública portuguesa lá, que é muito, muito boa. As escolas de referência, em todos os municípios, são muito boas. O investimento é todo timorense nas escolas de referência. Nós é que damos as infraestruturas e pagamos um bónus aos professores portugueses que ensinam nessas escolas. Os professores mantêm os seus contratos em Portugal, mantêm os seus salários cá, e Timor-Leste paga um subsídio, creio que de dois mil dólares por mês.
E em relação ao setor privado, há investimentos portugueses em curso?
Do setor privado português, muito pouco. Alguma exportação de produtos portugueses para Timor, que são muito populares, toda a gente compra produtos portugueses. Até do outro lado da ilha, na Indonésia, vêm a Díli comprar vinhos, produtos portugueses. Descobriram produtos de consumo de qualidade. Portanto, eu sempre defendi que Timor poderia beneficiar muito de empresas portuguesas constituírem-se em armazéns de carga em Timor-Leste, para reexportação a partir de Timor-Leste para o grande mercado indonésio, australiano, etc. Equipamento industrial, equipamento médico, indústria de laticínios, conservas, calçados, modas. Portanto, Timor poderia ser um grande armazém de produtos portugueses como Singapura é um grande armazém, Dubai é um grande armazém.
Mas para isso também faltam ligações mais práticas entre Portugal e Timor.
Exato. E com isso as trocas comerciais são pequenas.