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(...) a todos os que o admiravam não resta outra coisa que não seja a desilusão (...)
É a mais decepcionante notícia dos últimos dias. O ex-bispo de Dili e Prémio Nobel da Paz foi acusado de pedofilia, segundo revelou a publicação holandesa, De Groene Amsterdammer.
Carlos Filipe Ximenes Belo, hoje com 74 anos, foi sempre uma figura consensual, em Timor-Leste, suprapartidário, que durante o período pré-independência teve a serenidade e sensatez para se sobrepor e acalmar as querelas partidárias. Era assim que o mundo o via, era assim que os timorenses o reconheciam.
“(...) admite-se que a Santa Sé já devia conhecer os factos, desde que o prelado resignou à Diocese de Dili.”
Mas o mundo via-o também como um dos homens que contribuiu para a organização da resistência pacífica à invasão indonésia, a voz que se ergueu na denúncia do massacre do cemitério de Santa Cruz, a voz que denunciou a tentativa de genocídio perpetrada pelo invasor.
Tudo isto levou o respectivo Comité a distingui-lo, em 1996, com o Prémio Nobel da Paz que dividiu com Ramos Horta, o homem que correu mundo a denunciar as mais infames atrocidades das tropas indonésias.
Agora, é o próprio Ramos Horta, Presidente da República de Timor, que se confessa perplexo, sem saber o que fazer, perante este escândalo. Diz apenas que vai esperar pela actuação do Vaticano.
Por altura da atribuição do Prémio Nobel já o caso devia enervar Ximenes Belo. Um cidadão timorense fizera uma primeira denúncia. O bispo teria desencaminhado um menor seu irmão, com quem manteve relações sexuais, pedindo-lhe absoluto silêncio, em troca de dinheiro. Com um outro menor, tudo se terá passado de modo semelhante.
No início deste milénio, Ximenes Belo, declarou-se cansado, a precisar de repouso e renunciou à administração da Diocese de Dili. Em escassas 24 horas, o então Papa, João Paulo II, aceitou a renúncia e o Bispo viajou para Portugal, com estritas indicações, para levar uma vida de absoluta discrição, não usar paramentos de bispo e abster-se de todo o trabalho pastoral. E assim tem vivido, com um pequeno hiato em que esteve em Moçambique, como missionário. O resto do tempo tem sido passado em Portugal, ao cuidado dos Salesianos.
Só em 2019 as denúncias chegaram ao Vaticano que, até hoje, não lhes deu qualquer andamento, nem através dos tribunais eclesiásticos, nem da Justiça pública. Mas admite-se que a Santa Sé já devia conhecer os factos, desde que o prelado resignou à Diocese de Dili.
Ximenes Belo gozará da presunção de inocência, até que a justiça o considere culpado. Mas o conglomerado de suspeitas e denúncias ganha cada vez mais dimensão, não lhe deixando muito espaço para a absolvição. E a todos os que o admiravam não resta outra coisa que não seja a desilusão provocada por um homem que parecia acima de qualquer suspeita.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)
Sérgio Ferreira Borges, professor e jornalista
É professor de jornalismo, no Centro Protocolar de Formação de Jornalistas e em várias universidades. Como jornalista, trabalhou em jornais, rádios e concluiu a sua atividade, na EuroNews, a televisão pan-europeia de notícias. Foi assessor de imprensa e chefe de gabinete, da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
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