Bárbara Reis - Público - 07 de novembro de 2014
O escritório de advogados Arent Fox, que tem um peso-pesado da área do
direito do petróleo, está a aconselhar o Governo de Timor nos polémicos
litígios com petrolíferas que justificaram a expulsão dos magistrados
portugueses.
A avaliação negativa que o primeiro-ministro timorense, Xanana
Gusmão, faz do sistema judicial do seu país – e que levou à expulsão de
vários magistrados portugueses a trabalhar no território – está
sustentada em pareceres de dois professores de Direito da Universidade
de Coimbra e da Arent Fox, um influente escritório de advogados
norte-americano contratado pelo Governo de Díli.
Numa carta de 11 páginas dirigida no fim de
Outubro ao presidente do Parlamento timorense e distribuída pelos 65
deputados, Xanana Gusmão expõe em pormenor o que descreve como “indícios
de erros e irregularidades” nos tribunais e aponta, um a um, dez
“erros”, ordenando-os de forma explícita: “Erro n.º 1 do Tribunal”,
“Erro n.º 2 do Tribunal”… e assim por diante.
O segundo bloco de
argumentos é sobre “outras sérias preocupações”, o terceiro aponta os
quatro “erros” do Ministério Público e o último aborda o “preconceito do
Ministério Público contra o Estado”.
Na carta, o
primeiro-ministro cita os nomes dos professores José Casalta Nabais e
Suzana Tavares da Silva, da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, que caracteriza como especialistas na área do direito do
petróleo e do gás e a quem pediu pareceres sobre alguns casos polémicos
que envolvem Timor e várias petrolíferas. Os dois professores estão
entre os autores de Direito do Petróleo, editado pela Universidade de Coimbra no ano passado.
Segundo
o primeiro-ministro timorense, os pareceres dos dois professores
portugueses confirmaram duas avaliações anteriores: a do ex-presidente
do Tribunal de Recurso, o timorense-português Cláudio Ximenes, que se
demitiu em Fevereiro protestando contra o que “estava a acontecer” nos
tribunais do país, e a opinião dos seus “advogados externos”
norte-americanos.
A Arent Fox, com escritórios em Los Angeles, Nova
Iorque, São Francisco e Washington, é uma prestigiada firma de advogados
que tem entre os seus clientes a cantora pop Taylor Swift e que há dois
anos contratou Jack Coleman, um advogado especializado em petróleo e
gás. Durante 11 anos, Coleman foi um dos principais advogados do
Departamento do Interior norte-americano, nas Administrações de Clinton e
de George W. Bush. Em nome dos Estados Unidos, enfrentou em tribunal
gigantes petrolíferos como a Chevron, e empresas mais pequenas como a
Norton e a Amber Resources. O PÚBLICO sabe que o escritório da Arent Fox
contratou advogados portugueses que estão a trabalhar para o Governo
timorense.
Texto condena sistema judiciário
Em
nenhum lado Xanana Gusmão menciona expressamente os magistrados
portugueses. A sua leitura condena o sistema judiciário em geral e em
particular os tribunais, o Ministério Público e a Comissão
Anti-Corrupção. Quando enviou a carta ao Parlamento, estavam em Timor
perto de 30 portugueses a trabalhar na justiça, entre os quais oito
juízes, cinco procuradores e sete oficiais de justiça.
Os alegados
erros apontados pelo primeiro-ministro são muito diferentes entre si.
Uns são puramente jurídicos, argumentando Xanana que os tribunais não
aplicaram as leis fiscais certas nas suas deliberações. O Estado
timorense corre o risco de perder 300 milhões de euros, 100 milhões dos
quais em taxas petrolíferas não pagas ou deduções consideradas ilícitas.
Os restantes 200 são referentes às coimas que deveriam ser aplicadas.
Xanana Gusmão disse em entrevistas nos últimos dias que, das dezenas de
processos em curso, Timor já perdeu 28 milhões de euros. A abrupta
decisão de expulsar os magistrados estrangeiros, entre os quais os
portugueses, teve por objectivo parar os processos.
Ignorância é
outro dos “erros” apontados. Ou porque os tribunais não compreendem a
contabilidade e a mecânica da inspecção fiscal, ou porque não conseguem
distinguir as funções e competências, por exemplo, da Autoridade
Nacional do Petróleo, que, em algumas circunstâncias, não reporta
directamente ao Estado (mas à comissão da Área Conjunta de
Desenvolvimento Petrolífero do Mar de Timor), e da Direcção Geral das
Receitas do Ministério das Finanças, que supervisiona e cobra os
impostos do petróleo. Xanana também acusa os tribunais de “falta de
profundidade” na análise dos processos e dá o exemplo do litígio entre o
Estado timorense e a Minza Oil & Gas, com sede em Jersey, no qual o
juiz impediu que o processo fosse a julgamento. Há também queixas sobre
lentidão e excesso de burocracia e exemplos de alegada “parcialidade”
contra os interesses timorenses e a favor de outra petrolífera, a Conoco
Phillips, a ponto de não deixar o Estado defender-se no momento certo.
Em relação ao Ministério Público, Xanana refere como “erros” o caso de contestações iguais, “palavra por palavra”, em copy paste
literal, apresentadas em processos em que se discutiam questões
diferentes ou, ainda, diversas “irregularidades” processuais, entre as
quais a de juntar processos de oito queixosos e sete questões fiscais
diferentes. Xanana apontou, ainda, o “preconceito do Ministério Público
contra o Estado” timorense. Dá como exemplo os processos judiciais que
contestaram o seu direito a nomear advogados privados – a Arent Fox –
para defender a posição do Estado junto dos tribunais, fazendo o Estado
perder tempo com essa questão para, posteriormente, nos recursos,
reconhecer que afinal o primeiro-ministro tinha esse direito.
Xanana
Gusmão dedica também um capítulo à falta de actuação da Comissão
Anti-Corrupção, na qual trabalhava até agora um antigo oficial português
da PSP, que também viu o seu visto de trabalho cancelado seguido de
ordem de expulsão. Genericamente, fala em “factos” indiciadores de
“eventuais situações de corrupção” que deveriam estar a ser
investigados, mas não dá exemplos. Opta, em vez disso, pelo uso de
expressões como “negligências grosseiras” e “casos passíveis de serem
considerados eticamente reprováveis”.
O primeiro-ministro ignora
todos os casos incómodos de corrupção que correram e decorrem ainda em
tribunal envolvendo alguns membros do seu Governo e conclui apelando a
que seja aberto um “inquérito sobre o que correu mal” na justiça
timorense. Propõe “sanear os mais incompetentes” e deixar de contratar
juízes e procuradores internacionais.
Dois dias depois, o
Parlamento timorense, "invocando motivos de força maior e a necessidade
de proteger de forma intransigente o interesse nacional", aprovou uma
resolução suspendendo os contratos com 50 funcionários judiciais
internacionais.
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