Micael Pereira - Expresso online para assinantes - 15 de novembro de 2014
Presidente do Conselho Superior de Justiça de Díli denuncia intervenções de Xanana e o mais velho dos juizes teme pela vida.
Denúncia Presidente do Conselho Superior de Magistratura timorense
diz que primeiro-ministro Xanana Gusmão prepara um golpe para o afastar e
proteger governantes alvo de processos.
“Há um plano para decapitar a Justiça”
A ordem de expulsão de uma procuradora, cinco juizes e um oficial da
PSP portugueses na semana passada não pôs um ponto final no conflito que
está instalado em Timor-Leste entre o Governo e o poder judicial.
Guilhermino da Silva, presidente do Conselho Superior de Magistratura
Judicial (CSMJ) timorense, revela ao Expresso que, depois de ter mandado
embora os magistrados internacionais, “o primeiro-ministro Xanana
Gusmão prepara um golpe” para o afastar do lugar.
“É um golpe para me substituir pelo senhor Cláudio Ximenes, porque acham que só ele é que
defende os interesses do Governo relacionados com os processos-crime em
curso”, concretiza o juiz, numa alusão a acusações e investigações
relacionadas com algumas figuras políticas do regime, incluindo a atual
ministra das Finanças, Emília Pires, e o presidente do Parlamento,
Vicente Guterres.
Guilhermino da Silva, que também preside ao Tribunal de Recurso, o
equivalente ao Supremo Tribunal português, não tem dúvidas: “Se esse
plano se concretizar, passam a controlar o poder judicial.”
Detentor de dupla nacionalidade — timorense e portuguesa —, Cláudio
Ximenes foi presidente do CSMJ durante uma década, até ter sido obrigado
a demitir-se em fevereiro deste ano, na sequência de um caso polémico,
ao libertar da prisão um homem acusado de homicídio doloso. É
considerado como próximo de Xanana.
“É um dos seus braços direitos”, diz
a procuradora portuguesa Glória Alves, expulsa do país no início do
mês. “Pelo contrário, Guilhermino da Silva é um homem completamente
impenetrável ao poder político. Ele é a força que agrega os juizes
timorenses.”
O presidente do CSMJ recusou-se a cumprir uma primeira
resolução do Governo que cancelava os contratos de cooperação com os
magistrados portugueses, argumentando na altura: “Nós, juizes, só
obedecemos à constituição e às leis e essa resolução não tem força
legal, pelo que continuamos a trabalhar como antes.”
Essa atitude levou Xanana Gusmão a decidir-se pela ordem de expulsão aos portugueses e fez dele agora um alvo.
Antecipando a viagem no próximo fim de semana do ministro da Justiça,
Dionísio Babo, a Portugal, Guilhermino da Silva ligou na quarta-feira
para o vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura português,
António Piçarra, a pedir-lhe para interceder junto da ministra Paula
Teixeira da Cruz.
“É importante que Portugal mantenha suspensa a
cooperação judiciária entre os dois países até que a situação esteja
normalizada em Timor”, alerta o presidente do CSMJ timorense. “E isso
está longe de acontecer.”
Tirem a embaixada, se for preciso Antonino Gonçalves, o mais velho
dos juizes timorenses, reforça esse apelo: “A comunidade internacional
deve ter uma posição dura em relação a Timor.
Se for preciso tirarem a embaixada portuguesa daqui, que tirem. É
preciso haver pressão. Se estamos num Estado democrático temos o dever
de o defender.” Antes de ter expulsado os magistrados portugueses,
Xanana Gusmão fez aprovar algumas resoluções no parlamento igualmente
polémicas. Uma delas, votada no dia 24 de outubro, diz respeito a uma
extensa auditoria ao sistema judicial, uma iniciativa considerada também
ilegal pelos juizes.
“Não há qualquer autorização para uma entidade externa intervir seja
de que forma for no sistema judicial”, garante Guilhermino da Silva. “É
um ato ilegal e inconstitucional, que viola o princípio da separação de
poderes. Mas essa é a forma encontrada pelo Governo para conseguir o que
quer.”
O magistrado refere que os contornos dessa auditoria estão a ser
articulados entre Xanana Gusmão, Cláudio Ximenes e Margarida Veloso, uma
juíza portuguesa jubilada que esteve colocada como inspetora no
Conselho Superior de Magistratura timorense entre 2009 e 2012, ocupando
atualmente o cargo de secretária-geral da rede de cooperação judiciária
dos países de língua portuguesa.
Margarida Veloso prefere não prestar declarações, “para já”, sobre o
que se está a passar neste momento em Timor e as tentativas nas últimas
semanas para falar com Cláudio Ximenes não têm tido sucesso. Já o
gabinete de Xanana Gusmão não respondeu a um pedido de esclarecimento
enviado pelo Expresso há uma semana e reenviado esta sexta-feira.
Além da procuradora e dos cinco juizes a quem foi dado um prazo de 48
horas para abandonarem o país (“considerando que a sua presença
constitui uma ameaça aos interesses e à dignidade” de Timor, de acordo
com a decisão assinada por Xanana Gusmão) ficaram ainda quatro
magistrados portugueses no território.
Um procurador, João Alves, e dois juizes, Fernando Estrela e Baptista
Coelho, encontravam-se a dar formação e receberam uma carta do ministro
da Justiça Dionísio Babo a suspender-lhes de imediato as atividades. E
havia um procurador, João Gonçalves, a exercer o cargo de assessor no
Ministério da Justiça.
Os dois juizes já se encontram em Portugal,
enquanto João Alves e João Gonçalves abandonaram o país na quinta-feira.
Independentemente das suas circunstâncias individuais e de estarem ou
não incluídos na lista de pessoas a expulsar, todos os juizes e
procuradores foram mandados regressar a Portugal pelo Conselho Superior
de Magistratura e pelo Conselho Superior do Ministério Público, que
determinaram a cessação de qualquer licença sem vencimento de
magistrados em Timor, alegando motivos “de interesse público”.
Prontos para morrer
Têm sido dias de grande nervosismo entre os 22 juizes timorenses que
constituem o aparelho da magistratura judicial no país, agora que
deixaram de ter o apoio dos seus colegas internacionais. E-mails dando
conta de situações de “perigo de vida” começaram a circular na
segunda-feira e chegaram a Portugal, aos magistrados expulsos de Timor.
O ambiente tornou-se especialmente tenso na quarta-feira, feriado
nacional por causa do 12 de novembro, a data que assinala o massacre de
manifestantes no cemitério de Santa Cruz ocorrido em 1991. Duas fontes
judiciais deram conta ao Expresso de que Guilhermino da Silva e dois
outros elementos do Tribunal de Recurso se tinham fechado numa casa e
que temiam pela vida.
No dia seguinte, admitindo que os três tinham
estado juntos à noite, o presidente do Tribunal disse apenas que por
enquanto “não existe nenhuma ameaça direta”.
Antigo guerrilheiro durante o longo período da resistência timorense à
ocupação indonésia, o juiz Antonino Gonçalves é menos cauteloso na
forma como relata o que se está a passar, “Continuamos a ir para os
tribunais todos os dias, porque se deixarmos de fazer julgamentos
entregamos o país à justiça popular, mas estamos alertados para o que
pode acontecer. Vamos ver qual será o primeiro juiz a ser abatido.
Estamos prontos para morrer. Não queremos que volte para aqui a ditadura.”
O magistrado do tribunal distrital de Díli revela que há colegas que
“foram avisados por colaboradores do Governo” e aponta o dedo a Xanana
Gusmão, a quem acusa de “instigar a população contra os juizes”.
Antonino Gonçalves diz que “há movimentações junto de grupos de veteranos” que podem vir a colocar a sua vida e a vida dos seus colegas
em risco. Mas recusa-se a requisitar escolta policial para trabalhar.
“Todas as forças de segurança dependem do Governo. Não vamos pedir ajuda
ao inimigo.”
com RUI GUSTAVO
mrpereira@expresso.impresa.pt
PERSONAGENS
EMÍLIA PIRES
Ministra das Finanças. Está acusada dos crimes de gestão danosa e
participação económica em negócio, num caso de compra de camas para o
hospital de Díli. O início do julgamento chegou a estar agendado para o
dia em que foi publicada a ordem de expulsão dos magistrados portugueses
decretada por Xanana Gusmão: Um desses magistrados era juiz presidente
do processo. Há uma outra investigação em curso sobre a ministra
relacionada com a compra de equipamento de hemodiálise.
VICENTE GUTERRES
Presidente do Parlamento. Está acusado de participação económica em
negócio num processo-crime cujo julgamento tem início marcado para 26 de
janeiro de 2015 mas que não vai acontecer. No dia 22 de outubro, o
primeiro-ministro Xanana Gusmão escreveu ao Parlamento para que
recusasse um pedido de levantamento de imunidade enviado pelo tribunal
de Díli em relação avários políticos, incluindo Vicente Guterres.
Os deputados aprovaram a recomendação de Xanana.
JOÃO RUI AMARAL
Secretário-geral do Parlamento. É coarguido com Vicente Guterres num
processo relacionado com a compra, em 2009, de viaturas para o Estado
sem concurso público. Foram adquiridos 65 carros, mas o modelo entregue
não correspondeu ao modelo pago, mais caro. Estão em causa dois milhões
de dólares.
FRANCISCO SOARES
Secretário de Estado do Fortalecimento Institucional. Arguido no mesmo processo.
LÚCIA LOBATO
Ex-ministra da justiça. Foi condenada em 2012 a cinco anos de prisão
por crime de participação em negócio, relacionado com a compra de
uniformes para a guarda prisional. Recebeu um indulto em agosto do
Presidente da República. Está a ser alvo de outro inquérito-crime, que
está ainda no início.
GUILHERMINO DA SILVA
Presidente do Conselho Superior de Magistratura. Foi nomeado para o cargo em fevereiro deste ano pelo Presidente da
República, Taur Matan Ruak. Recusou fazer cumprir uma primeira resolução
do primeiro-ministro que determinava o fim imediato dos contratos dos
magistrados internacionais a exercer funções nos tribunais timorenses,
afirmando que se tratava de uma iniciativa ilegal.
JOSÉ DA COSTA XIMENES
Procurador-geral da República.Está no cargo desde abril de 2013. Seguiu o mesmo entendimento de Guilhermino da Silva e recusou acatar as ordens do governo.
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