Por António José Teixeira - Expresso Diário, edição para assinantes
Os cinco juízes, dois procuradores e um oficial da PSP que Xanana Gusmão expulsou de Timor-Leste não são apenas um percalço desagradável ou triste na cooperação judiciária ou no relacionamento entre os dois países.
São um caso inadmissível de expulsão de oito portugueses. Expulsão. Muitas questões se podem colocar sobre os termos acordados entre o estado timorense e o estado português, o estado timorense e organizações internacionais, sobre o alcance da cooperação judiciária, sobre a razão de serem juízes e procuradores estrangeiros a investigarem e julgarem os timorenses, sobre boas e más decisões judiciais que favoreceram ou prejudicaram Timor, sobre o combate à corrupção, sobre a separação de poderes, sobre o facto de boa parte do governo estar a ser investigado e correr o risco de ser condenado, sobre o sentido de tudo isto. Mas há uma questão que, do nosso lado, se sobrepõe a todas as outras: oito cidadãos portugueses foram expulsos como vulgares criminosos apanhados em flagrante delito.
Mais do que a «preocupação», a falta de «condições adequadas para prosseguira política de cooperação na área judiciária» ou a necessidade de «reavaliação cuidada de pressupostos e regras» invocadas pelo governo português, esperava-se uma resposta à altura da gravidade da atitude de Xanana Gusmão.
Timor está no seu pleno direito de alterar as regras de cooperação judiciária, de não renovar contractos, de rescisão de acordos ou de assumpção plena da sua soberania judicial. Nada disso implica e explica a decisão de expulsar cidadãos que estavam no território por vontade do governo timorense. Mesmo tendo em conta as relações históricas e o interesse dos nossos vínculos, a humilhação portuguesa – é disso que se trata – ficou sem resposta à altura. E não teria de ser necessariamente olho por olho...
Outro tipo de humilhação é aquela que a chanceler Angela Merkel dirigiu esta semana a portugueses e espanhóis. Disse ela, na Confederação das Associações Patronais alemãs, que temos demasiados licenciados. Dir-se-á que não conhece ou se enganou nos números. Não seria a primeira vez. Portugal tem pouco mais de 17% da população entre os 15 e os 64 anos com estudos superiores completos.
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A Alemanha tem cerca de 25%. É irrelevante se se enganou, ou não. O que é relevante é a convicção de que a receita a seguir para o nosso mercado de trabalho deve ser alemã. Prioridade ao ensino profissional, pressão sobre os desempregados para aceitarem salários baixos e empregos pouco qualificados, cortes nos subsídios sociais, precariedade continuada.
Os designados mini-empregos alemães (a 400 euros, sem descontos), que ocupam muitos emigrantes, atingem mais de 7 milhões de pessoas e estão para ficar. Este modelo que a Alemanha quer estender aos países do sul precisa pouco de licenciados e de investigadores.
Como diz o sociólogo alemão Ulrich Beck, os alemães estão preocupados com a nossa «reeducação», querem-nos «preparar» para o mercado mundial. A estabilidade alemã impõe políticas de austeridade aos países endividados, cada vez mais endividados numa Europa estagnada, incapaz de crescer, tolhida por falta de investimento e de ambição. Esta «Europa alemã», como a chama Beck, vive na táctica da hesitação (adia, não vai até ao fim), da dominação subreptícia e da ameaça punitiva.
A receita do ensino «vocacional» serve para colocar o sul da Europa no seu devido lugar: formador de mão-de-obra para mini-empregos.
O ministro Nuno Crato sabe-o. Bem pode contrariar a ideia dos «licenciados a mais», já interiorizou o modelo alemão, visitou-o, quer replicá-lo. Já demonstrou que pouco lhe importam os avanços na ciência e o investimento na educação, afinal os vectores que nos podem resgatar da desgraçada austeridade.
Precisamos, obviamente, de mais educação e qualificação, de mais licenciados, doutorados, cientistas, criadores, profissionais, de mais excelência. Aliás, boa parte dos empregos criados são empregos qualificados.
Portugal e a Europa precisam de investimento, de produzirem mais conhecimento, mais tecnologia, mais riqueza mais justamente repartida. Foi a crise financeira e a crise do euro que catapultaram a Alemanha para uma liderança efectiva, mal assumida, por vezes hesitante. Será que quer ficar com o ónus do fracasso europeu?
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