Luis Cardoso de Noronha |
PÚBLICO - Texto de
Mário Rufino
Luís Cardoso enfrenta, através da Literatura, a história violenta da evolução política e cultural do território timorense
Luís Cardoso de Noronha (1959) nasceu em Cailaco, Timor
Leste. É uma das principais vozes do actual período formativo da
“Literatura Timorense”. Os seus estudos académicos dividiram-se por
Timor (até ao liceu) e por Portugal (licenciatura em Silvicultura, no
Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa).
No seu 5.º romance, o autor assume a temática pós-revolucionária ao
abordar a noção de culpa e a construção de uma identidade nacional. Luís
Cardoso enfrenta, através da Literatura, a história violenta da
evolução política e cultural do território.
“Alguns fugiram para o outro lado da fronteira, território indonésio.
Para onde foge quem procura salvar a pele. Os pacatos informadores
tomaram outra atitude. Optaram pela via da redenção. Inscreveram-se nos
partidos políticos. Os mais afoitos optaram por ser também
revolucionários. E para dissipar as suspeitas foram dos que mais tarde
se haviam de tornar verdadeiros carrascos.” pág. 74
Todos têm várias máscaras a que recorrem para tapar aspectos mais
controversos do passado, ou dos seus próprios aspectos psicológicos. Nas
várias histórias que se cruzam no texto, nenhuma das personagens é
unívoca. Pigafetta é sacristão e veste-se de mulher; Sakunar, o captor
de Pigafetta, projecta a imagem de sua amada em Isadora, mulher do
desaparecido “Raio de Luz”, não se inibindo, no entanto, de sodomizar
Pigafetta. Isadora debate-se com a possibilidade de morte do seu marido,
enquanto tem uma relação subjectiva com Julieta, mãe de Carolina.
Aurora, mãe de Julieta, anseia que o seu marido apareça vivo ou
reencarnado.
O autor timorense constrói analogias entre a envolvência sexual das
personagens e a relação entre posse-possuído. O sexo está relacionado
com o poder político e social.
Luís Cardoso apropriou-se do nome do narrador da primeira viagem de
circum-navegação à volta do mundo, António Pigafetta, que viajava com
Fernão Magalhães. Apesar da apropriação, a narração não foi entregue a
este personagem. Aliás, ao sacristão Pigafetta é-lhe retirada a língua
pelo seu captor Sakunar, membro da resistência. O facto de a narração da
história ser executada por uma sandália (a esquerda, indicando, desta
forma, uma narração mais emotiva) provoca o estreitamento das
possibilidades narrativas.
A inserção das falas dos protagonistas nas descrições, tanto de
sentimentos como das paisagens envolventes, fortalece a fluidez da
leitura.
Existe alternância entre um passado recente e um passado mais remoto,
dinamizando, desta forma, a narração. O autor enriquece a prosa com
palavras e expressões de diferentes dialectos (existe um glossário no
final do livro). As frases são curtas e conservadoras sintacticamente.
Esta obra é um documento literário relevante quando contextualizado
pela actual construção da Literatura Timorense. Luis Cardoso é a voz
mais importante na abordagem literária de uma nação em (re)construção.
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